sexta-feira, 9 de outubro de 2009

GESTAR II-PASSOS- VENCENDO AS GRADES

Relatório – GESTAR II - PORTUGUÊS
Cursista: Kátia Pereira

Meu nome é Kátia Pereira, sou cursista do GESTAR II- PORTUGUÊS em PASSOS, coordenado pela formadora RAQUEL LEMOS.
Estou adorando o curso que é muito inovador e criativo. Desenvolvo as atividades com meus alunos, que são especiais e interessados. Gostaria de relatar minha experiência que é um pouco diferente da maioria dos educadores.
Sou Coordenadora da Escola do Presídio de Passos.
Atualmente a Escola do Presídio está com 22 alunos, sendo 14 na sala de 3ª e 4ª séries da EJA e 8 alunos de 1ª e 2ª séries. A escola conta com duas salas de aula, uma biblioteca, uma sala da coordenação, banheiro e uma sala para revista do aluno.
Os alunos que estudam na escola do Presídio passam por uma revista minuciosa antes de entrar na sala de aula. O agente que os acompanha, faz o mesmo procedimento todos os dias antes que o aluno entre na sala. Esse procedimento é chamado POP (Procedimento operacional padrão) e é feito da seguinte maneira: O aluno preso tira toda a roupa, agacha três vezes de frente, três vezes de costa, mostra a sola dos pés, mostra dentro da boca e após tudo pronto veste o uniforme e vai para a sala. Já as mulheres presas, fazem o mesmo procedimento, porém jogam todo o cabelo para a frente para as agentes femininas verificarem se não há nada escondido no meio do cabelo e mostram também atrás das orelhas.
Quando acaba a aula, antes que o aluno preso entre para a cela, é feito o POP novamente. O aluno tira toda a roupa novamente e faz todo o procedimento. Após certificar que ele não está levando nenhum objeto escolar escondido como por exemplo: lâmina de apontador, clipes ou qualquer outro material, ele retorna para a sua cela.
No Presídio os presos não são obrigados a estudar, porém os que optaram pelo estudo, ganharão remição de pena.
Quanto à segurança, relato que as professora e os alunos são acompanhados pelo agente penitenciário que fica de fora da sala de aula todo o período que está ocorrendo a aula.
As professoras que trabalham no presídio devem sempre trabalhar com roupas adequadas, sem decote e com o uso do jaleco. Elas devem trabalhar também sem perfume ou qualquer cosmético que contenha cheiro, para que não desperte no aluno, nenhum tipo de desejo.
Os alunos presos são tranquilos e se interagem muito bem com todos.
É um trabalho muito gratificante, porque são educadoras especiais numa escola especial.
É aqui que conhecemos o outro lado do crime onde vemos o ser humano privado de liberdade e totalmente excluído e desprezado pela sociedade.
É aqui que conhecemos o lado do ser humano, muitas vezes humilde e de família desestruturada.
É aqui que vemos o quanto a educação é importante na vida do ser humano e o quanto faz falta um lar de amor, um prato de comida pra comer e o bom exemplo dos pais.
A reintegração social e a recuperação, são fatores importantíssimos na vida desse preso, pois a única certeza que termos é que amanhã, ele estará na rua novamente e jamais podemos deixar de nos preocupar com essa vida privada que hoje ele leva dentro do Presídio. Prepará-lo para a sociedade é o dever de todos os funcionários que aceitaram trabalhar nessa causa.
Amanhã ele sairá na rua sem emprego, com total descrédito na sociedade e com a autoestima muito baixa e poderá novamente adentrar ao mundo do crime.
Por isso somos conscientes que o nosso papel de educadora é muito importante, tanto na vida dessas pessoas, como na vida das crianças que estaremos educando.
A frase abaixo me motiva muito, pois eu acredito nessa filosofia:

“ QUE AS GRADES NÃO NOS IMPEÇAM DE ENXERGAR O SER HUMANO”...


RELATÓRIO PARTE II
Não será possível colocar fotos dos alunos nos relatórios feitos para o GESTAR II aplicado no PRESÍDIO DE PASSOS, pois as imagens dos presos devem ser resguardas levando em consideração que são imagens que não nos pertencem e também pelo fato de estarem presos não podemos divulgar, pois pode futuramente trazer problemas ao presídio ou a quem tiver divulgado.
Gostaria de anexar a esse relatório, uma redação feita por uma detenta que participa das atividades do GESTAR II.
A redação foi publicada no jornal, mediante autorização por escrito da mesma.
Todos os meses acontece um concurso de redação no pavilhão feminino e são trabalhados diversos temas como família, drogas e valores do ser humano.
Abaixo a redação vencedora do concurso:

CONCURSO DE REDAÇÃO
PAVILHÃO FEMININO- PRESÍDIO DE PASSOS
DETENTA VENCEDORA: ANA PAULA DE CASTRO
TEMA: ESTOU PRESA, E AGORA?

ESTOU PRESA, E AGORA?
Esperança passa longe de ser o primeiro sentimento que nos invade na hora em que somos presa.
O primeiro sentimento é a incredulidade.
Aquelas algemas trancando nossos pulsos e a gente não acreditando que tudo aquilo está acontecendo, pensando que só pode ser pesadelo e logo vamos acordar, só que isso não acontece, pois não é um pesadelo , é a realidade, é a interrupção da nossa liberdade, que é tão preciosa.
Aí vem o desespero.
E a família? Como dar a notícia?
Como viver longe das pessoas que amamos e que nos ama?
Trancada numa cela com várias pessoas que nunca vimos é quando a gente chora o choro mais doído.
O sofrimento de quem está presa e junto o sofrimento de quem está lá fora. Como somos capazes de dar tanta decepção a quem amamos?
Um turbilhão de pensamentos coloca a mente numa total desordem.
O tempo vai passando, demora muito, mas aos poucos as coisas e o coração da gente vão se acalmando... é quando começa a nascer a ESPERANÇA.
A esperança de que logo vamos embora, que vamos ser absolvidas e voltar pra casa.
Daí em diante é só esperança, ou seja, esperar...
Esperar a audiência, esperar a sentença, esperar o recurso em Belo Horizonte, depois o recurso em Brasília, esperar pela progressão de regime, pela saída temporária, pela condicional...
Isso tudo sem falar na espera por uma carta, uma visita, um contato qualquer com quem amamos.
Enquanto isso, vamos convivendo com pessoas e suas personalidades. Pessoas que às vezes , muito raro nos ajuda.
Tudo isso nos faz sentir que o mundo lá fora continua seu percurso e a gente parado no tempo, vegetando.
Porém há muito o que aprender numa prisão, como tolerância, paciência, compreensão , a aceitação e o não questionamento das coisas de Deus, pois nada acontece sem a permissão dele e sabemos que jamais seremos abandonadas por ele, nem mesmo numa prisão.
Nesse lugar também é facílimo ter o coração endurecido e corrompido por conviver com pessoas de coração muito ruim.
Mas rezo e peço a Deus e Nossa Senhora Aparecida a quem sou devota, que eu saia com o mesmo coração que entrei aqui.
No final, quando a gente vence e sai da prisão, vem novamente a esperança de nunca mais passarmos por isso, esperança de ter forças para construir uma vida digna, apesar do preconceito que sabemos que teremos que enfrentar, enfim a esperança de viver ao lado de quem amamos e de quem nos ama, esperança de um dia poder olhar pro alto e dizer:
“Meu pai, obrigada por tudo, eu sei que existe alguém que se orgulha de mim.”

Essa redação virou notícia do site da SEDS – Secretaria de defesa social.